O que um Vendedor de imóvel nunca diz ao Comprador
O
roteiro a seguir é de um filme bastante assistido por compradores de
imóveis. O consumidor vai ao estande onde está sendo lançado um
empreendimento imobiliário. Há várias atrações gratuitas: comida e
bebida, um show com algum artista famoso e possivelmente até um sobrevoo
de helicóptero pelo bairro. No centro do picadeiro, há um apartamento
generosamente decorado por algum arquiteto famoso que transforma em
realidade o imóvel que só ficará pronto dentro de três anos. O lindo
apartamento de 45 metros quadrados de área útil custa 450.000 reais. O
preço assusta muita gente, mas, após alguns minutos de conversa com o
corretor, o sonho não parece impossível.
O
vendedor diz que pelos próximos três anos o consumidor pagará parcelas
mensais de 2.000 reais. Na entrega das chaves, será necessário
desembolsar mais 28.000 reais. O pagamento antecipado, portanto, somará
100.000 reais – sacrificante para muitas famílias, mas vantajoso diante
da realização do sonho da casa própria. O corretor então lembra que, dos
350.000 reais que ainda restam, 80.000 reais poderão ser abatidos com o
uso do FGTS do comprador no momento da entrega da escritura e das
chaves. Os demais 270.000 reais serão financiados por um empréstimo
bancário com prazo de amortização de 20 anos e uma taxa de juros efetiva
de 11% ao ano pela tabela Price. Cada prestação é estimada em 2.700
reais. O vendedor lembra que o valor das parcelas mensais é parecido com
o que o comprador paga de aluguel. O negócio parece mesmo interessante.
No
entanto, Marcelo Tapai, da Tapai Advogados, um escritório que se
especializou em ações judiciais contra incorporadoras, explica que esse
roteiro não passa de ficção. O comprador vai descobrir logo que qualquer
semelhança com a vida real é mera coincidência. O primeiro choque será
dado pelo INCC, o índice de inflação do setor da construção civil, que
serve para corrigir contratos de compra de imóveis na planta. A cada
mês, o INCC vai incidir sobre todo o saldo devedor do comprador. Se o
INCC ficar em 1% logo no primeiro mês, a dívida será acrescida em 4.500
reais. Para quem acha que a estimativa de INCC de 1% é muito alta, é
importante lembrar que apenas no último mês de maio o indicador alcançou
2,94%. É possível, portanto, que os pagamentos de 2.000 reais mensais
não sejam suficientes nem para compensar o INCC e que, ao final de três
anos, a dívida do comprador seja superior ao débito inicial.
Ainda
crente de que fez um bom negócio porque os imóveis estão se valorizando
muito rápido, o cliente pagará todas as prestações previstas. Na data
estipulada em contrato para a entrega das chaves, no entanto, a
incorporadora poderá não entregá-lo. A escassez generalizada de
equipamentos e de mão de obra tem atrasado a entrega de boa parte dos
empreendimentos lançados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Cientes
disso, as incorporadora incluem na maioria dos contratos uma cláusula
que estabelece que não é devida indenização ao cliente em caso de
atrasos de até 180 dias na entrega do imóvel. Nesse período, o
consumidor terá sua dívida corrigida mensalmente pelo INCC. Além disso,
mesmo não tendo cumprido sua parte no acordo, a incorporadora vai cobrar
a parcela das chaves de 28.000 reais porque o contrato especifica
aquela data.
Outra
possível fonte de estresse para o comprador ocorrerá quando a obra
obtiver a certidão do habite-se, que atesta que o empreendimento atende
as exigências da legislação municipal. Nessa data, a incorporadora
poderá trocar o índice de correção do contrato do INCC pelo IGP-M. Até
aí, não há muita diferença. O problema é que sobre o saldo devedor
também serão cobrados juros de 12% ao ano – contra a taxa zero usada até
então. Para transferir a dívida para um banco e conseguir juros mais
amigáveis, o comprador precisará estar com as chaves e a escritura em
mãos. Isso costuma ocorrer três meses após a concessão do habite-se.
Segundo Tapai, no entanto, há casos em que a certidão vem um ano antes
da entrega das chaves – para desespero do comprador.
Quando
finalmente receber as chaves e a escritura e correr para o banco para
financiar o imóvel por uma taxa efetiva de juros equivalente a 11% mais
TR, uma nova surpresa poderá ocorrer. O imóvel comprado por 450.000
reais poderá ter se valorizado no período de três anos. Aparentemente
positiva, a notícia tem um lado perverso. O FGTS só pode ser usado para
abater o saldo devedor de imóveis de até 500.000 reais. Se o banco
avaliar que agora o mesmo apartamento custa 600.000 reais, por exemplo,
os 80.000 reais que estão depositados na conta do comprador no FGTS não
poderão ser sacados.
A
dívida, estimada neste momento em 500.000 reais, por exemplo, terá,
devido ao valor do imóvel, de ser totalmente financiada fora do SFH
(Sistema Financeiro da Habitação), que, em tese, oferece juros um pouco
mais baratos. Para conseguir pagá-la, o comprador terá de elevar o prazo
estimado para a quitação do empréstimo de 20 para 30 anos – arcando,
portanto, com maiores custos financeiros para adquirir o mesmo bem.
Justiça
Segundo
Tapai, há formas de evitar que a compra do imóvel na planta se
transforme em um filme de terror. É importante conhecer as regras e
fazer muito bem as contas antes de comprar um imóvel na planta. Ter
economizado boa parte do dinheiro necessário antes de comprar o imóvel
também ajuda. Optar por um apartamento seminovo ao invés do imóvel na
planta pode ser outra solução.
No
caso das pessoas que já assinaram o contrato de compra e se sentem
prejudicadas financeiramente, é possível atenuar os prejuízos na
Justiça. Muitos juízes concedem liminares contra o pagamento da parcela
prevista para a mesma data das chaves se as mesmas não tiverem sido
entregues. Também há jurisprudência favorável no STJ (Superior Tribunal
de Justiça) para que a correção do saldo devedor só seja alterada de
INCC para IGP-M mais 12% ao ano no momento da entrega das chaves – e não
na data da concessão do habite-se. Já no caso de atraso na conclusão da
obra, a Justiça costuma entender que as incorporadoras têm o direito de
corrigir o saldo devedor. O que pode ser questionado é apenas o
indicador de correção: INCC ou IGP-M.
Se
o comprador se sentir economicamente prejudicado pelo atraso porque
teve de pagar aluguel por mais um ano, por exemplo, poderá mover uma
ação contra a incorporadora cobrando danos morais e materiais. Para
ganhar essa ação, entretanto, é importante ter documentos, fotos ou
testemunhas que sirvam para provar que as promessas feitas pela
incorporadora no momento da compra do imóvel não foram posteriormente
cumpridas.
Fonte: EXAME
Saiba mais em: advocaciaimobiliariagoias.org
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