Pré-Lançamentos e suas possíveis restrições perante a lei
“Aguarde,
futuro lançamento.” A frase celebra um momento importante na estratégia
de marketing e comercialização das incorporadoras: o pré-lançamento.
Etapa inicial da oferta pública de um empreendimento, a iniciativa
passou por intensa sofisticação nos últimos anos. De um simples coquetel
a show com astros da música popular, vale quase tudo para chamar a
atenção do cliente antes de efetuar a venda. Quase tudo.
O
pré-lançamento não necessariamente pressupõe o registro da incorporação
imobiliária. Mas a comercialização somente é permitida após a obtenção
do registro do Memorial de Incorporação junto ao Registro de Imóveis
competente. Nenhuma novidade. É o que determina a lei 4.591, de 16 de
dezembro de 1964, principal instrumento regulador da atividade.
A
ausência do memorial implica uma série de restrições. De acordo com a
lei, não é permitida reserva de unidades com o recebimento de valores ou
garantias; instalação de pontos de vendas; apresentação de tabela de
preços, nem qualquer tipo de publicidade articulada sem a divulgação do
número do registro. Em suma, nada que caracterize negociação de
unidades.
Além
disso, o Código de Defesa do Consumidor também abrange a questão. De
acordo com Everaldo Augusto Cambler, professor de Direito da PUC-SP
(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e advogado do escritório
Arruda Alvim, toda informação prestada ao cliente em potencial – desde
que precisa, fornecida diretamente ou por intermédio de corretores –
vincula o incorporador ao benefício prometido, sujeitando-o ao sistema
coercitivo estabelecido pelo código.
Porém,
práticas comuns do mercado nem sempre estão de acordo com esses dois
instrumentos. Os atos ilícitos não dizem respeito somente à venda de
unidades sem o registro de incorporação. Na realidade, a maior parte se
concentra em erros “menores”, persistentes porque ainda são vistos como
desvios leves.
Na
tentativa de regular a atividade, em 2007, o Creci-SP (Conselho
Regional dos Corretores de Imóveis) baixou uma portaria reiterando,
entre outras determinações, que a divulgação de um futuro lançamento
“somente poderá ser realizada com o objetivo exclusivo de prestar
informações a respeito do empreendimento, vedada a prática de ato de
negociação de unidades”.
Pré-lançar para quê?
Mas,
afinal, o que é pré-lançamento? Para o Procon-SP (Fundação de Proteção e
Defesa do Consumidor), “independentemente da nominação, tudo é oferta”.
É o que afirma Renata Reis, técnica da instituição. Na visão do
presidente do Creci-SP, José Augusto Viana Neto, “não existe
pré-lançamento”. Segundo ele, “o que existe é pesquisa de mercado feita
em determinada região para conhecer a tendência do público”.
A
pesquisa, diz Viana, é essencial. “O incorporador precisa de análise
qualificada para garantir o sucesso da obra.” Na mesma linha, Fabio
Rossi, diretor de marketing da Itaplan e diretor de marketing e
lançamento do Secovi-SP (Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo),
considera o pré-lançamento um “termômetro de vendas”.
Marcelo
Dadian, diretor regional de São Paulo da Rossi, engrossa o coro. “Antes
da abertura oficial de venda, precisamos saber qual será a
receptividade. Serve como um aquecimento para o grande dia do
lançamento.”
Everaldo
Cambler, também autor do livro “Incorporação Imobiliária – Ensaio de
Uma Teoria Geral”, explica que o pré-lançamento corresponde “ao evento
promovido pelo incorporador, dirigido a corretores e à imprensa,
realizado para divulgar aspectos do empreendimento a ser lançado
imediatamente ao público”.
É
o que Guilherme Diamante, diretor de Marketing da Direcional, chama de
difundir o “cheiro” do empreendimento. “Antes do RI, soltamos um
comentário, um teaser. Fazemos uma reunião com as imobiliárias parceiras
para sentir a resposta e ver se estamos no caminho certo.”
Em
resumo: sem o RI na mão, o incorporador deve ver o pré-lançamento como
uma oportunidade para testar a aceitação do produto, definir a
estratégia de venda e, se necessário, promover ajustes no projeto. Mas é
preciso tomar uma série de cuidados. Sob essa condição, em nenhuma
hipótese, o pré-lançamento pode dar ensejo à negociação. Porém, isso
ocorre com frequência, em práticas arraigadas no mercado.
Publicidade sem registro
Um
erro comum é a publicidade do empreendimento – seja em jornais,
televisão, tapume de obra, site, panfletos, folhetos, folder ou outdoors
– sem o registro da incorporação imobiliária. A esse respeito, a norma
do § 3o, do art. 32, da Lei de Condomínio e Incorporação não deixa
dúvida: “o número do registro referido no § 1o, bem como a indicação do
cartório competente, constará, obrigatoriamente, dos anúncios,
impressos, publicações, propostas, contratos, preliminares ou
definitivos, referentes à incorporação, salvo dos anúncios
‘classificados'”.
No
dia-a-dia, a realidade é outra. Sobram exemplos no mercado,
principalmente em anúncios de jornais. Sob o enunciado de “breve
lançamento”, algumas incorporadoras fazem publicidade do empreendimento,
informando características básicas do produto, como localização e
metragem, mas sem divulgar o número do registro. Letras miúdas apenas
ressalvam que o empreendimento somente será comercializado após o
registro do Memorial de Incorporação.
O
diretor de marketing e vendas de uma dessas companhias explica que se
trata de uma estratégia para avaliar a receptividade do produto. “É
prática comum de mercado. É só abrir o jornal e ver a quantidade de
anúncios. Estamos simplesmente falando de um produto que ainda não tem
preço, expondo o que poderá ser. Em muitos casos, já temos o RI. Mas,
mesmo tendo o RI você não o divulga para poder ter uma temperatura
prévia [do mercado]. Contraria a lei fazer venda. Nós cumprimos a lei.”
Não
é tão simples assim. Cambler assevera que, mesmo se a peça publicitária
contiver observações como “material destinado à pesquisa imobiliária”
ou “uso exclusivo de corretores”, isso “não descaracteriza a natureza do
material distribuído, verdadeiro anúncio, impresso ou publicação
atinente à incorporação imobiliária, constituindo evidente afronta à
legislação posta”. A regra também vale para a operação de estande de
vendas sem o registro de incorporação. Ainda que ausente qualquer
atividade de negociação, o estande se enquadra nos parâmetros de
publicidade previstos na lei.
Ainda
de acordo com o professor de Direito, quando a propaganda faz
referência à tipologia ou traz imagens do produto, o incorporador não
pode instalar placas ou totens em terrenos, ainda que sejam de sua
propriedade, anunciando a implantação de futuro lançamento sem o
registro da incorporação. Nesse caso, o que o incorporador pode fazer é
instalar placas informando apenas a possibilidade de pré-lançamento, sem
imagens ou descrições do empreendimento. Algo como “aguarde breve
lançamento imobiliário”, seguido de dados para contato.
Nessa
fase, tampouco é permitida a divulgação de tabela com preço específico
do produto. O máximo que se pode fazer é apresentar ao interessado uma
faixa do preço, afirma William Roberto Rodrigues, 5o promotor de Justiça
da Praia Grande, litoral Sul de São Paulo, que tem se destacado na
fiscalização do setor em uma região com um dos maiores índices de
irregularidade no Estado, segundo o Creci-SP. “Se você dá o preço, você
desperta no consumidor uma intenção de realizar negócio.”
Concorrência desleal
A
reserva de unidades mediante recebimento de valores ou garantias, como
cheques, pode ser compreendida como modalidade de contrato preliminar. É
igualmente vedada. Para o corretor de imóveis, salienta o presidente do
Creci-SP, trata-se de uma “falta gravíssima”. Segundo Viana, ao
constatar a irregularidade, o conselho faz um auto de infração para o
corretor e o processo ético disciplinar pode resultar na cassação da
licença. Até hoje, no entanto, nenhum corretor filiado ao Creci-SP
perdeu a licença por causa disso.
Já
as incorporadoras que recorrem a essa prática lesam o consumidor e
agridem outras empresas que atuam no mercado com o prévio registro do
memorial de incorporação. “Você faz um estudo, pesquisa, treina gente.
Aí o cara chega sem fazer nada disso e toma um cliente que poderia ser
seu. Pior, o cliente está, na verdade, comprando só a promessa”, diz
Guilherme Diamante, da Direcional.
A
reserva aproxima-se da conduta de concorrência desleal e ofende a livre
iniciativa, protegida constitucionalmente. Segundo Cambler, esses
procedimentos devem ser denunciados junto ao Poder Público. Contudo, o
advogado observa que, desde que não contenha fixação, recebimento de
valores ou garantias, a reserva não “mascara” qualquer atuação negocial
e, portanto, é lícita.
Sanções
Caso
o incorporador efetue qualquer negócio sem providenciar o registro do
Memorial de Incorporação, estará sujeito às sanções previstas por
contravenção à economia popular, conforme prevê o artigo 66, inciso I,
da Lei de Condomínio e Incorporação. A anuência do consumidor não
resolve o problema.
“O
mero conhecimento ou o consentimento do consumidor quanto à venda da
unidade sem o registro de incorporação não elimina a ilicitude. A norma
de incorporação é cogente; não pode ser dispensada pelas partes do
contrato”, esclarece o promotor de Justiça William Roberto Rodrigues.
A
negociação de unidades sem o registro de incorporação é contravenção
penal, infração penal leve, passível de multa. Não acarreta prisão. Na
área civil, a empresa pode ser responsabilizada em ação coletiva de
defesa do consumidor. O promotor explica que o Ministério Público, em
geral, pede um prazo para a regularização, sob pena de multa diária. Ou o
incorporador regulariza a situação ou devolve o dinheiro. “Em casos
extremos, fazemos ajuizamento da ação contra a empresa. Primeiro, dá-se a
oportunidade para ela se regularizar. Não havendo acordo para a
regularização, pode haver arresto de bens. É a última hipótese”, diz.
A
despeito da persistência de alguns problemas, o promotor considera que a
situação hoje começa a se normalizar. “As próprias empresas comparecem e
reconhecem o erro e buscam agir dentro da lei.”
Certo X errado
O que pode (e não pode) ser feito no pré-lançamento de imóveis
Certo
-
Realizar pré-lançamento com a finalidade de pesquisa de mercado. Venda somente após a obtenção do registro do Memorial de Incorporação junto ao Registro de Imóveis competente.
-
Realizar pré-lançamento com a finalidade de pesquisa de mercado.
-
Divulgar aos corretores e à imprensa as características marcantes do empreendimento.
-
Fornecer a possíveis clientes informações descritivas do projeto, desde que ausente qualquer característica de negociação.
-
Revelar estimativa de preço, esclarecendo que ainda não se trata do preço definido em tabela.
-
Reserva de unidade sem fixação ou recebimento de valores ou garantias.
-
Instalação de material de divulgação no terreno informando apenas a possibilidade de pré-lançamento, sem imagens ou descrições do empreendimento.
Errado
-
Qualquer ato de negociação sem o RI, mesmo com a anuência do cliente.
-
Divulgar preço do produto antes de providenciar o RI.
-
Reserva de unidades mediante o recebimento de valores ou garantias de clientes, sem o RI. A reserva antes da expedição do registro também é prática de concorrência desleal.
-
Anúncio em jornais, televisão, tapume de obra, site, panfletos, folhetos, folder ou outdoors sem o número do registro de incorporação imobiliária.
-
Material informativo com o uso de frases como “material destinado à pesquisa imobiliária” ou “uso exclusivo de corretores” sem o número do registro de incorporação. A divulgação do RI é obrigatória.
-
Operar estande de vendas sem o registro de incorporação, ainda que não celebre qualquer tipo de negócio.
Ajustes finos
O
pré-lançamento é antecedido por uma série de estudos de viabilidade da
obra e do perfil do público da região e dos bairros ao redor. Em muitos
casos, a pesquisa é concluída apenas no pré-lançamento.
De
acordo com a resposta dos possíveis compradores, o incorporador pode
realizar ajustes no projeto ou mesmo na estratégia de comunicação e
publicidade. “É uma fase em que dificilmente faremos alguma alteração na
parte arquitetônica, mas é possível fazer alguma mudança no
revestimento e acabamento”, aponta Marcelo Fraiha, diretor de Marketing
da Fraiha Incorporadora. Ele cita exemplo em que, por conta das
respostas dos clientes, decidiu por trocar o piso dos banheiros, de
granito para mármore, e definiu a banheira como padrão e não mais
opcional.
Diretor
regional de São Paulo da Rossi, Marcelo Dadian esclarece que nem sempre
o que se tem como tendência em acabamento e decoração está de acordo
com o desejo do cliente. Em Santos, a incorporadora sentiu resistência
dos compradores ao revestimento em tinta epóxi nos banheiros; acabou
optando pelo azulejo. As alterações também podem ocorrer ainda no
próprio estande de vendas. “Todos falam muito em móveis clean, mas, na
Mooca, o cliente em potencial queria uma decoração de estilo provençal.”
Em
casos extremos, quando se constata a inviabilidade do projeto, o
incorporador pode lançar mão do mecanismo do “prazo de carência”,
disciplinado na lei 4.591/64, limitado a seis meses, a contar da data do
registro. Nesse período, o incorporador poderá desistir da realização,
restituindo àqueles que aderiram ao negócio a quantia que tiver
recebido.
Hora do show
Em
meio a todas as restrições legais, boa parte das empresas prefere ir ao
pré-lançamento com o registro de incorporação em mãos, para assegurar a
possibilidade de venda. “É preferível ter o RI. Dá uma flexibilidade
maior, caso sinta que a venda é agora”, conta Enzo Ricetti, diretor
comercial da InPar.
Na
Direcional, pré-lançamento é hora de entrar firme na oferta.
Providenciado o registro de incorporação, a construtora busca no
pré-lançamento uma “explosão de venda”, antes mesmo de fazer anúncios.
“O trabalho de força de vendas direta, motivada, bem treinada, hoje
chega a ser mais importante que a própria mídia”, relata Guilherme
Diamante.
O
expediente é comum a muitas outras: prospecção de clientes em banco de
dados de imobiliárias, compra de mailing, mala direta e, principalmente,
preparação do terreno com estande de vendas e apartamento decorado.
Os
investimentos têm sido vultosos, podendo variar de 1% a 4% do VGV
(Valor Geral de Vendas) do empreendimento. Podem até significar
verdadeiros espetáculos. Caso da InPar quando chegou a Tamboré, Barueri,
Grande São Paulo. O empreendimento Ghaia foi anunciado com show da
dupla Chitãozinho & Xororó.
Mas
nem sempre a ideia é vender tudo. Afinal, preços promocionais são quase
regra nessa fase. “Em alguns casos, a construtora segura algumas
unidades para garantir a valorização. De qualquer modo, a estratégia é
sempre definida no aquecimento e no pré-lançamento” diz Fabio Rossi, da
Itaplan.
Fonte: https://comprenaplanta.wordpress.com/2010/09/24/pre-lancamentos-dicas-para-esclarecer-apoena/
Saiba mais em: advocaciaimobiliariagoias.org
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